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Eduardo Leite, o prefeito perfeito
Cronologia: na segunda-feira passada (2), Pablo Rodrigues, editor do Diário Popular, publicou artigo de sua lavra criticando a prefeitura pela morte de Jorge Luís Coutinho, funcionário do Sanep soterrado enquanto trabalhava numa obra sem condições de segurança. Dia 15, o Amig@s de Pelotas veiculou editorial criticando o silêncio do prefeito em relação ao caso. Dia 17, o jornalista e advogado Renato Varoto compartilhou o editorial do Amig@s no seu endereço pessoal de facebook. Na manhã de 18, Varoto voltou ao facebook - para relatar que recebera telefonema de uma pessoa próxima ao prefeito Eduardo Leite, protestando contra o compartilhamento do editorial do Amig@s e, segundo ele, intimidando-o ao ponto de fazê-lo temer por sua integridade e a de sua família. Sábado (20), no DP, o jornalista e assessor especial da prefeitura Sadi Sapper escreveu artigo intitulado "É dura a vida dos homens públicos decentes". No mesmo sábado, o Amig@s republicou o artigo de Sadi. Uma hora depois, às 14h, o Amig@s recebeu nota do assessor da prefeitura (intitulada Da Dignidade do Silêncio) Luiz Caminha, contestando o editorial do Amig@s, nota esta prontamente publicada pelo site.A sequência dos acontecimentos retrata a preocupação de um governo (e aliados) de reagir à crítica de maneira pronta e organizada. Três pessoas, um telefonema açodado, um artigo, uma nota oficial. É ano eleitoral, tem-se como certo que Leite concorrerá à reeleição, talvez isso explique a reação em cadeia.
Nas três manifestações favoráveis ao prefeito, novas coisas foram ditas que merecem novos comentários e esclarecimentos, sobretudo porque, embora tenham o propósito de projetar luz sobre os fatos, não chegam a revelá-los, mas os banham com nova tonalidade.
O Amig@s mantém o ponto de vista inicial. Para o site, uma vez diante de acontecimentos negativos, Eduardo Leite silencia, evapora de cena, trava. Acrescente-se dois exemplos além da ausência de reação diante da morte do operário do Sanep: 1) O silêncio oficial frente o caso dos aluguéis de imóveis ociosos pela prefeitura; 2) Igual silêncio ante o caso de uma funcionária da Secretaria de Administração Financeira, afastada sob denúncias de favorecimento à firma do namorado e que, em vez de ser demitida pelo prefeito, ganhou outro cargo de confiança na gestão atual, mais próxima do gabinete do mandatário. Em todos esses casos, o prefeito não se manifestou, não deu satisfações à sociedade nem anunciou providências; deduz-se, porque não as tomou.
ESTRATÉGIA RUBENS RICÚPERO
Com essa conduta, o tucano remete ao caso do ministro da Fazenda Rubens Ricúpero (Governo Itamar Franco), pego pelas parabólicas em 1994 confessando desavisado, em sinal aberto no estúdio da Globo (abaixo, a partir de 2:45 minutos), que “eu não tenho escrúpulo; eu faturo o que é bom e escondo o que é ruim”.
Talvez todo o político, mesmo os decentes, ajam assim por defesa e autopreservação, com receio dos imponderáveis desdobramentos decorrentes da admissão pública de uma debilidade. Ao registrar tal conduta em Leite, o Amig@s nada faz senão constatar a realidade.
HISTÓRICO DE SILÊNCIOS E FALTA DE REAÇÕES
Em nenhum dos casos citados – operário soterrado, aluguel de prédio ocioso, funcionária afastada de um setor por denúncias e recontratada em outro - o prefeito veio a público se pronunciar de viva voz ou por nota para anunciar providências. Emudeceu, comportando-se como se os fatos negativos não existissem ou, pior, como se estivesse convicto de que seu silêncio não seria notado pela sociedade.
A assessoria do prefeito afirmou que Leite silencia porque uma das características do tucano é a discrição, o pudor. "O silêncio do prefeito não é frio, nem denota insensibilidade, egoísmo ou ambição. É respeitoso, fruto da discrição, característica de sua personalidade, parte da natureza dele”, diz a nota oficial enviada ao Amig@s.
Considerando que assim seja, vale dizer: ninguém deseja que Leite vá ao cemitério chorar (muito menos lágrimas de crocodilo), como sugeriu a assessoria do prefeito no artigo A dura vida dos homens públicos decentes; não se trata disso. Trata-se tão somente de registrar uma postura. Mesmo que Leite seja decente (e tudo indica que o é), é inegável que o tucano costuma paralisar na hora de lidar com adversidades, transmitindo a impressão de que preocupa-se antes com seu futuro político-eleitoral do que em resolver problemas incômodos abertamente, com ações públicas efetivas e transparência.
PAGOU ENTERRO, MAS NÃO ABRIU SINDICÂNCIA
No caso da morte do operário do Sanep, o mínimo desejável era que Leite anunciasse uma sindicância para apurar negligência operacional da autarquia, em busca de soluções capazes de minorar os riscos aos trabalhadores e em busca da responsabilização dos culpados pelo acidente. Leite, porém, nada fez nesse sentido.
Houve um tempo em que o prefeito era rápido no gatilho, como ocorreu após o incêndio na boate Kiss, em Santa Maria, onde mais de 200 pessoas perderam a vida. No dia seguinte, Leite convocou uma força-tarefa com bombeiros e defesa civil, com o objetivo de induzir uma fiscalização maciça em Pelotas dos alvarás aos estabelecimentos. Esse dinamismo, ele perdeu.
No caso da morte do operário do Sanep, apesar das evidências de falta de segurança e de falhas técnicas na obra, que se tornou uma armadilha de engenharia mortal, o prefeito nada fez de útil para equacionar a questão. Em vez de providências rápidas e saneadoras, ele determinou ao Sanep que arcasse com as despesas do funeral do trabalhador (mesmo que, salientou sua assessoria, esta não fosse obrigação da autarquia) e que sua equipe procurasse ajudar a companheira do operário provar a união estável do casal, para poder auferir pensão.
A viúva, amparada, tem motivos para agradecer, mas repita-se: até agora o prefeito não anunciou procedimentos rumo ao essencial - evitar novas mortes de trabalhadores.
O X DA QUESTÃO
A assessoria de comunicação de Leite diz que o prefeito mandou pagar o sepultamento e ajudar a viúva por "razões humanitárias". Enfatiza ainda que Leite não silenciou nem ficou inerte diante do episódio. A assessoria, infelizmente, bordeja o X da questão.
Quando o Amig@s afirma que Leite silencia não está falando apenas literalmente, mas sobretudo no sentido figurado. Se, mesmo sem falar de viva voz sobre os episódios negativos para o governo, nem por meio de notas oficiais, Leite adotasse ações efetivas para solucionar as questões, sua voz se faria ouvir, não haveria silêncio.
O silêncio a que nos referimos é justamente esse: a ausência completa de providências diante de casos "desconfortáveis" e, em alguns casos, ações no sentido de proteger os envolvidos nos fatos negativos, como ocorreu à funcionária da Secretaria de Administração Financeira, afastada de um setor por denúncias feitas, aliás, pelo secretário da Pasta (denúncias jamais averiguadas) e mantida no governo em outro setor.
Como os exemplos citados mostram, quando o caldo engrossa, Leite "não fala" nem mesmo com as mãos, como os surdos-mudos. Ele simplesmente tranca e, em alguns casos, "retrai-se".
DANÇANDO LADO A LADO COM O POVÃO
De todos os feitos positivos de sua gestão, Leite tira justo proveito, associando-se a eles ostensivamente, tudo registrado em textos e imagens por sua equipe. Toda semana a imprensa recebe dezenas de notícias produzidas pela assessoria de prefeitura mostrando o prefeito bem na foto. Essas imagens não deixam dúvidas da disposição de Leite para a exibição, nelas o tucano flutua numa efusão venturosa, sem qualquer pudor de publicidade em cenas nas quais com frequência o povão é coadjuvante de uma narrativa destinada a vender a imagem de um político amado pela sociedade, amigo do povo, boa praça e mais: sério e trabalhador.
Se tem apreço pela distinção e é discreto, como afirma sua assessoria, o prefeito não se comporta desse modo quando se vê diante de eventos positivos e previsíveis para ele. Nesses, ao contrário, ele se torna expansivo, pura comunicação oral e corporal, capaz até de tocar pandeiro em festividade do Dia do Professor e dançar ao lado do povão. Nessas horas, a empolgação é tanta que ele não se importa nem mesmo que sua equipe faça e divulgue cenas que soam apelativas, como as fotos abaixo, com Leite dançando ao lado de um homem do povo no balneário dos Prazeres, durante o evento Bairro da Gente, em que a prefeitura oferece serviços e diversão na periferia.
ALÔ-Ô, AUTORIDADEA contraposição do vestuário e da condição social da autoridade e do homem torna a propagação da imagem até mesmo constrangedora e repugnante. Nessa hora, porém, não há o menor vestígio de discrição. Eis o ponto (o comportamento paradoxal) que o Amig@s acha necessário enfatizar.
Ao observador atento do poder municipal, a impressão é de que o atual prefeito se excede nos extremos: é ostensivo quando fatura fatos positivos e esquivo quando tem de lidar com fatos negativos. Talvez seja um defeito geral dos políticos; o caso é que, como um pêndulo defeituoso que se move para um lado só, falta ao tucano o equilíbrio que o tornaria humano.
Na opinião do site, o tucano cresceria muito como homem público se, por exemplo, quando estivesse dançando com um carroceiro embriagado, proibisse a produção e divulgação de fotos e, quando morresse um servidor em serviço, por negligência, viesse a público anunciar ações para impedir que novas tragédias se repitam. Mas isso talvez seja pedir demais a homens públicos que se movem numa sociedade como a brasileira. Às vezes a gente imagina que o Brasil é uma Suécia até que alguém grita: "Alô-Ô"
PAPEL DA IMPRENSA
Leite possui inegáveis qualidades como gestor (basta andar pela cidade para constatar os vários tentos que tem alcançado), mas parece que não acredita nestes o suficiente, daí, por certo, usar da "estratégia Ricúpero".
Como os homens são lembrados pelo que fazem, não pelo que deixam de fazer, o tucano estará na memória pelo asfaltamento de várias vias, pelas obras de mobilidade urbana, pela licitação do ônibus e outros vários legados. Terá muito a mostrar na eleição de outubro. Já se sua carreira política vai frutificar ou não, se sua vida como figura pública é mais ou menos difícil, vale lembrar que menos fácil é a vida do trabalhador que luta para sobreviver e manter sua família; muito mais dura certamente foi a vida do operário do Sanep Jorge Luís. Por isso, não importa à sociedade o destino da carreira dos políticos, que escolheram representar-nos e, portanto, arcar com o ônus da tarefa. Atenção: não é desmerecimento pessoal, o raciocínio vale para todos os políticos. Acima de todos eles, há o interesse público.
Sendo assim, toda a autoridade pública está sujeita à fiscalização e crítica da imprensa. Decência é um conceito moral, logo variável, por isso é dever do jornalista monitorar a autoridade. Critica-se os homens públicos, por óbvio, não por suas qualidades, mas por suas condutas questionáveis. Ou seja, as qualidades de Leite não apagam seus defeitos eventuais.
Outro dia o juiz Sérgio Moro declarou: "Ninguém tem prazer em condenar". Vale o mesmo para o jornalista. Não há prazer em criticar; há quem ache inclusive que a crítica é coisa do Coisa Ruim. Entretanto, assim como juiz existe para julgar, jornalista existe para criticar, denunciar, documentar a história. Já perdoar é coisa para o homem público mais privado de todos os tempos: o único que mora acima de nós. Todo o resto é ambição.
As fotografias abaixo foram produzidas e fornecidas à imprensa pela assessoria de comunicação da prefeitura, no dia 24 de janeiro deste ano. Nelas e em muitas outras notícias oficiais, o traço mais marcante na personalidade do prefeito não é a discrição, mas o seu contrário: a exposição ostensiva.
Clique nas imagens para ampliá-las.
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